Semana passada li uma notícia que dizia que a poesia tem o poder de “bugar” a IA, causando um tipo de curto nos seus mecanismos de segurança. A matéria ainda jogava uma pergunta bem sarcástica, que me transportou para uma estado de semi-êxtase infantil: “seriam os poetas os novos hackers?”
Se pensarmos bem, os poetas sempre foram capazes de hackear as emoções e estados de espírito essencialmente humanos. Talvez por isso, a IA não consiga lidar com a poesia ( e não só com a poesia, diga-se de passagem). Afinal, estar sobrecarregada de emoção, de uma escrita que manuseia a linguagem de forma única e criativa, porque cada poeta tem seu jeito de escrever, imprimindo sua digital na maneira como arranja cada palavra para formar estrofes totalmente capazes de provocar reações singulares, pessoais e intransferíveis em quem não só sabe lê-las e apreciá-las.
Máquinas não conseguem lidar com o que temos de mais humano, pois a poesia contém fragmentos essenciais e inteiros da expressão de cada poeta. Poesia é humanidade pura e simples. Por vezes pedras brutas, outras vezes lapidadas, ou ainda, nada disso. Mas sempre sem intenção de provocar qualquer coisa. Poetas só precisam expressar sentimentos e emoções que transbordam tanto que poderiam sufocar. O poeta não é responsável pelo sentir de quem o lê, apenas pela expressão do que derrama nas pontas dos seus dedos. Raiva, amor, medo, revolta, incompreensão, insensatez, paz, cheiros, gostos e desgostos. Quem lê sente à sua maneira. Isso é o poder da poesia, que inteligência nenhuma que não seja a humana tem a capacidade de sorver e absorver.
Que “bugue” a IA diante do que é essencialmente humano. Ponto.
E agora preciso confessar uma coisa. Ao ler a notícia me “achei” duplamente.
Uma porque sou metida à poeta. Já ganhei um concurso de poesia, numa época em que IA não criava textos mancos, sem conectivos, repetitivos sem necessidade alguma, sem estilo, feios e desprovidos de humanidade. Não só a aparência das pessoas se curva a um padrão cada vez mais irreal e uniformizador, mas agora, também colocam a expressão pela escrita dentro de caixinhas tão diminutas que torturam a criatividade humana.
Outra porque a cada dia mais acredito, como o Prof. Nicolelis, que nem inteligência, nem artificial. Se estou enganada o tempo dirá.
E para fechar 2026, compartilho pela primeira vez o poema que venceu o III Prêmio Literário Canon de Poesia em 2010, tal qual publicada no livro. Engraçado que hoje achei esse poema num estilo meio Gregório de Matos “light”, o que mostra que o tempo também molda a percepção humana que temos da poesia. Quase dezesseis anos depois a vergonha deu lugar a ousadia de abraçar e valorizar um talento que já me salvou tantas vezes.
Aproveito para desejar Boas Festas e um 2026 cheio de coragem para sermos humanos em tudo o que fizermos!
Ana Laura Dimas de Freitas Rabelo
(Laura Freitas)
Ana Laura D. de Freitas Rabelo nasceu em Divinópolis, MG em 1970. É graduada em Administração com ênfase em Comércio Exterior, área na qual trabalhou por 13 anos, até que em 2008 deixou a carreira para buscar o que realmente lhe faz completa. Descobriu na escrita um refúgio e um alívio para as inúmeras inquietações que traz consigo. Nunca participou de nenhum concurso nem publicou nada até então.
A Ti que Perdida Estás
Quem és tu oh pobre alma?
Sabes ao menos de onde vens?
Sabes para onde queres ir?
Deixa-te ser tragada e levada,
Onde meteste a dignidade que rebela?
Estás como gado em pasto de julho,
Sem água e faminta.
Sabes onde buscar refúgio?
Estás perdida oh pobre vida, sem alma,
Sem som, sem reflexo de força.
Permaneças e sumirás,
Serás esquecida, serás julgada e em ti encontrarão culpa,
Põe-te em pé! Ainda o podes!
Ilumina-te,
Levanta-te.
Que sejam derramados sobre ti os ungüentos da cura!
Proclamo-te solta e breve,
Sem medo quero que voes.
Eis que quero apresentar-te o caminho do sonho.
O caminho da liberdade.
Onde se encontram os que crêem e vivem sem cessar.
Águias robustas e sem limites!
Queres viver ou rastejar?
Suportas o peso de seus pecados?
Tornastes como mendiga,
Carregas teus entulhos com apego,
Tornaram-se parte de teu abatido esqueleto.
Anseias pelo fim.
Abra teus olhos!
Gritas e quem te ouve?
Pronta estás para ser abatida,
Resistes por instinto animal.
Miserável, sem percepção do que te tornaste.
Acorda, oh alma sem pouso!
Olha-te e curva-te ante teu destino.
Com afinco buscaram-te.
Em todos teus pousos cercaram-te.
Recusaste ajuda orgulhosa que és.
Dura és.
Resistes e permaneces em tua miséria.
Oh pobre alma, sem esperança e ilusão.
Quero dar-te ar para respirar e mundo para viveres.
Orgulhosa, acreditas em tuas próprias leis,
Não és capaz de arrepender-te,
Volta-te para dentro de ti,
Ainda há tempo!
Grito e não me canso.
Sofro, pois quero fazer-te ver,
Ainda há tempo!
Insisto em querer-te sã.
Insistes em estares perdida.
Não me canso.
Perseguir-te-ei ainda que me recuses.
Serei sempre o arauto incansável de tua salvação,
Até que enfim a abraces.
Há para ti um lugar,
Há para ti, amada alma que chora,
Um lugar reservado.
Há salvação para ti que tanto busco e amo!
Espero-te!



