Desmitificando o Estigma em Torno das Experiências Adversas na Infância (EAI): Uma Conversa Necessária

Eu venho me preparando há um tempo para assumir meu lugar como uma psicóloga que se dedica e fala sobre abusos sofridos na infância e suas consequências para a vida adulta.

Mas…como uma perfeccionista profissional, eu sempre achava desculpas para adiar a guinada até que, na semana passada, recebi o Relatório da Organização Mundial de Saúde sobre ACEs (Adverse Childhood Experiences), Experiências Adversas na Infância (EAI).

Todos os motivos para eu começar imediatamente a falar sobre isso nas redes estão lá, no relatório.

Enquanto eu o lia, uma vozinha dentro de mim dizia: corra! Você precisa fazer isso urgente! Você já sabe como fazer, só precisa começar.

E aqui estou eu, te contando sobre como é importante falarmos e tratarmos das consequências dessas vivências traumáticas.

Eu sei que é um assunto difícil, mas é preciso começar de alguma maneira, porque não se trata apenas de ajudar essas pessoas a encontrarem um sentido para suas vidas, o que por si, já é muita coisa.

Mas enfrentar esse problema de frente significa quebrar ciclos de violência, adoecimento e estigmas, para que as gerações futuras sejam mais saudáveis e felizes.

Muitas vezes não temos a menor ideia de que aspectos sombrios e dolorosos de nossas vidas, nos impedem de crescer e viver plenamente e num movimento natural de autoproteção, por medo de reviver essas dores, trancamos sentimentos e emoções dentro de nós.

No entanto, isso pode ter consequências mais sérias com o passar do tempo.

Para mitigar o peso das experiências traumáticas, é preciso enfrentá-las e dar nomes aos bois.

Quando alguém que carrega um trauma de infância resolve que não vai mais viver as consequências de tragédias passadas e, principalmente, decide que a dor e o peso não serão transferidos para as gerações futuras, sua vida se transforma.

A chef Paola Carosella tem uma história de vida muito difícil. Seus pais tinham transtornos mentais, o que resultou em inúmeras internações do pai ao longo dos anos, culminando com seu autoextermínio.

A mãe, embora não sofresse com internações, sofria com episódios depressivos fortes. Por causa disso Paola não recebeu muito carinho e afirma ter tido uma infância muito solitária.

Sem dúvida, a falta de referências saudáveis de parentalidade, torna a criação de filhos um desafio ainda mais complicado. No entanto, Paola decidiu criar um ambiente totalmente diferente.

Sabendo que seria muito difícil conseguir isso sozinha, por causa da falta de referências, ela buscou ajuda. Faz terapia, colocou a filha já bem cedo na terapia e tem construído uma relação saudável com ela.

Sempre me emociono com o poder de decisão e transformação dos seres humanos.

Olhar para sua história e para a de sua família e decidir conscientemente, que quer algo diferente é de uma coragem enorme!

Sem dúvida alguma, ainda que com muita dificuldade, essas pessoas conseguem construir uma realidade autônoma e autêntica para si.

Outra história que me emociona é a da Viola Davis. Ela foi filha da escassez extrema. Falamos aqui de miséria. Falta de dinheiro para o básico: comer, vestir e morar com dignidade.

Além da violência que é a própria miséria, Viola foi exposta à violência doméstica, alcoolismo do pai. Soma-se a isso uma vizinhança também violenta e claro a violência mais cruel: o racismo.

O que mais me chama atenção em Viola é que ela em momento algum usa o discurso do mérito. Ela sabe de seu valor, sabe que tem talento e que lutou muito para chegar aonde chegou hoje, mas, também sabe que, infelizmente grande parte das pessoas que enfrentam a miséria não terão a mesma sorte que ela.

Por isso, ela usa sua voz para lutar contra o racismo e levar sua história de resiliência pelo mundo.

Para mim histórias como as de Paola e Viola, reforçam a importância de falar sobre as EAI e suas consequências.

Essas mulheres não apenas superaram experiências traumáticas, mas também decidiram quebrar os ciclos que permeavam suas vidas e de suas famílias.

A maior lição que fica é a de que é possível fazer diferente, desde que haja disposição para romper com os padrões aprendidos do passado.

Paola Carosella: Uma Chef Transformadora

A história de Paola é um testemunho do poder da decisão consciente. Diante de um passado doloroso, ela escolheu não permitir que as tragédias familiares moldassem seu futuro. Buscar ajuda profissional, investir na terapia para ela e sua filha, e construir um ambiente afetuoso são exemplos de como a mudança começa de dentro para fora.

É emocionante perceber que, mesmo diante das adversidades, Paola optou por criar uma realidade diferente para sua filha. Sua história deixa claro que é preciso coragem para quebrar o ciclo de padrões negativos e construir uma narrativa de amor e respeito.

Viola Davis: Resiliência Além das Adversidades

A trajetória de Viola Davis é marcada pela extrema escassez e adversidade. Crescer em meio à miséria, violência doméstica e alcoolismo poderia ter sido um fardo insuportável. No entanto, Viola não apenas superou essas dificuldades, mas também reconhece o papel do privilégio.

É notável como Viola rejeita o discurso do mérito puro. Ela compreende que sua resiliência e sucesso não são garantias para todos que enfrentam a miséria. Assumindo a responsabilidade de usar sua voz para combater o racismo. Ao destacar a realidade de muitos, Viola se torna uma defensora daqueles que enfrentam experiências semelhantes.

A Coragem de Escolher um Caminho Diferente

Ambas as histórias exemplificam a coragem de olhar para o passado, aceitar as feridas, e decidir conscientemente moldar um futuro diferente. A decisão de não se apegar ao discurso do mérito, mas sim reconhecer o papel das circunstâncias e do sistema, é um passo significativo.

Ao compartilhar essas narrativas, meu objetivo é estabelecer um espaço de compreensão e empatia para aqueles que enfrentam EAI. Não podemos esquecer que a resiliência não nega a dor, mas sim transforma-a em uma fonte de força.

Por Que é Importante Falar Sobre Isso:

  1. Para desmistificar o estigma: Ao trazer à tona histórias reais de superação, desmitificamos o estigma em torno das EAI. Cada história de transformação compartilhada é um empurrão na direção da compreensão.
  2. Conscientizar sobre a necessidade de ajuda profissional: Paola e Viola buscaram ajuda profissional para lidar com suas experiências. Isso destaca a importância de procurar apoio e acompanhamento especializado para enfrentar traumas do passado.
  3. Quebrar ciclos para um futuro melhor: Ao escolherem conscientemente não transferir o peso de suas dores para as futuras gerações, essas mulheres quebram ciclos de violência, adoecimento e estigmas. Este é um chamado para uma mudança cultural profunda.

Ao assumir meu papel como psicóloga dedicada a falar e tratar dos abusos na infância, comprometo-me a proporcionar um espaço seguro e acolhedor.

Este é apenas o começo de uma conversa necessária, e espero que mais vozes se juntem à minha rumo à transformação e ao empoderamento.

Juntos, podemos construir um caminho para viver plenamente, apesar das dores do passado.

Com consciência, coragem e amor,

Ana Laura Freitas

Ana Laura Freitas

Minha primeira graduação foi em Administração com ênfase em Comércio Exterior. Iniciei minha carreira trabalhando com exportação e um ano depois, eu estava atuando em finanças internacionais, numa grande empresa do cenário nacional.

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