A excelência se tornou a maior necessidade nos tempos atuais de competição.
Da maneira como ela é colocada eu diria que se trata de mais um estressor que nos distancia do que nos importa de verdade e da possibilidade de nos conhecermos com consciência, pois, se estamos o tempo todo ocupados para nos tornamos excelentes, nos perdemos em comparações, insatisfação e exaustão.
Como seria se ao invés de colocarmos nossas forças em “alta performance”, pensássemos em desenvolvermos uma qualidade intrinsecamente humana da qual as outras qualidades pudessem emergir naturalmente, incluindo a excelência?
Tenho lido artigos e livros (vou deixar algumas referências no final) que mostram que a humildade é uma característica das lideranças eficazes, pois, ela está associada com a busca pela diminuição das diferenças sociais e de status. Portanto, ouvir os subordinados, pedir contribuições, admitir erros e estar disposto a mudar o curso da ação quando algo der errado tem tudo a ver com isso. Pense em líderes como Mandela, Gandhi e Martin Luther King ou busque na sua memória aquele professor ou chefe que deixou boas lembranças, às quais você recorre todas as vezes que precisa se espelhar numa boa conduta e você verá que isso é verdade.
Num mundo onde a competição global preconiza a excelência a todo o custo, a humildade genuína deveria se tonar um mantra para o sucesso, pois, ela está sempre aberta para aprender com a educação e as experiências dos outros. Uma pessoa humilde é uma pessoa que nunca está pronta, mas em constante aperfeiçoamento. Ela se torna apta para fazer uma leitura do ambiente rapidamente, faz boas perguntas, solicita feedback e busca mudar suas atitudes/ ações sempre que for preciso.
Ser humilde é ser modesto, sem excesso de orgulho, observe que não mencionei sem orgulho, mas sem excesso dele.
Quando falamos em humildade, falamos o tempo todo de equilíbrio. Portanto, qualquer um que se gaba de ser humilde está cheio de orgulho.
O humilde, ouve mais e fala menos. É preciso ter cuidado para não dominar a conversa, especialmente se for uma pessoa naturalmente falante. Ontem mesmo me coloquei à prova e percebi que diante de um assunto que adoro, posso falar feito uma matraca e perder a chance de ouvir! Que tiro na asa! Bom, pelo menos já estou percebendo meu próprio comportamento. Isso já sinaliza algo positivo, pois, autoconsciência é o primeiro passo para que possamos mudar os hábitos que de alguma forma nos impedem de aprofundarmos mais nas nossas experiências.
A humildade faz pessoas hábeis para receber críticas, abertas à possibilidade de melhoria e prontas para assumir as responsabilidades por suas ações.
Lembra do artigo que publiquei aqui sobre accountability? Eu acredito que humildade e accountability andam coladas.
Além disso, a humildade cria uma comunicação mais assertiva, pois ela reconhece que todos têm o direito de serem ouvidos e permite que todos coloquem seus pontos de vista valorizando-os.
É comum que as pessoas confundam humildade com ter uma opinião inferior sobre si mesmo e subserviência, o que está ligado à baixa autoestima.
Ser humilde, no entanto, não significa ter uma ideia ruim de si mesmo, mas ser consciente sobre quem se é integralmente e ter aceitação de suas boas qualidades (forças) e limitações (fraquezas, ameaças e desafios), reconhecendo que os outros também têm boas qualidades, são igualmente valiosos, têm dificuldades, podendo contribuir para o seu crescimento. Portanto, a humildade constrói uma autopercepção equilibrada.
Quando alcançamos um certo grau de equilíbrio em nossa autopercepção nos tronarmos mais hábeis para estabelecermos conexões significativas com as pessoas. A pessoa que é genuinamente humilde não busca a excelência pela excelência, nem pretende ser boa em tudo a todo o custo, mas, ela se preocupa em primeiro lugar em conhecer e estabelecer vínculos genuínos com as pessoas, respeitando seus próprios valores e buscando fazer o mesmo pelos outros. Assim, a excelência acontece naturalmente como fruto do aprendizado que se estabelece nas relações que ela vai construindo.
Desde o início da minha carreira, há vinte e nove anos considerando o período de estágios, tenho tido o privilégio de lidar com líderes seniores, com longas carreiras e muito para ensinar. Tenho observado que há entre eles admiráveis características em comum: eles parecem não ter consciência de como são excepcionais e não se trata de falsa modéstia, eles simplesmente acreditam que o que eles fazem e o que suas equipes realizam é a norma e se colocam sempre abertos para ouvir, aprender e trocar informações. Essas pessoas são naturalmente generosas para trocar conhecimento, elas têm prazer em ver o crescimento de quem aprende com sua experiência, mas não se colocam em posição de superioridade. São hábeis em criar conexões e sabem cultivá-las ao longo dos anos. É interessante perceber que sempre há quem tenha um profundo sentimento de gratidão por elas.
Por fim, é preciso colocar que a humildade não é uma soft skill, não é uma habilidade que se aprende em workshops, mas é uma virtude, e como toda virtude ela nunca é alcançada por inteiro. Devemos ter em mente que nunca chegaremos num estágio da vida onde seremos humildes a ponto de nos sentirmos seguros quanto a isso, pois isso seria uma contradição.
A humildade, assim como qualquer outra virtude, exige um exercício diário de autoconhecimento, auto-observação e consciência, pois a humildade é caracterizada pela consciência das próprias limitações e modéstia.
A humildade precede a sabedoria.
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Referências
Prime, Janine. Salib, Elizabth. The Best Leaders Are Humble Leaders. Harvard Business Review.12 mai 2014.Disponível em: https://hbr.org/2014/05/the-best-leaders-are-humble-leaders. Acesso em 21 mai 2022.
Boyd, C. A. (2014). Pride and Humility: Tempering the Desire for Excellence. Virtues and Their Vices, 245–266. Disponível em: https://www.academia.edu/27716048/Pride_and_Humility_Tempering_the_Desire_for_Excellence Acesso em 21 mai 2022.
Morris JA, Brotheridge CM, Urbanski JC. Bringing humility to leadership: Antecedents and consequences of leader humility. Human Relations. 2005;58(10):1323-1350. Disponível em https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0018726705059929 . Acesso em 21 mai 2022.
Hess, E. D., & Ludwig, K. (2020). Humility is the new smart: Rethinking human excellence in the smart machine age. Berrett-Koehler Publishers.