Mulheres e poder: porque a renúncia de Jacinda Ardern nos fala de força e não de fraqueza

Depois de 5 anos e meio como primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern renunciou ao cargo.

O disse me disse em torno de sua decisão tem sido grande e é possível perceber como as notícias estão carregadas de viés sexista, insinuando a inabilidade das mulheres compassivas e empáticas como Jacinda de se manterem no poder.

Nas entrelinhas lê-se: olha aí no que dá ser uma líder humana.

Resista à tentação de absorver essa narrativa velha e simplista.

Ela exerceu o poder com empatia e compaixão e momento algum ela pareceu constrangida por isso, mesmo recebendo críticas constantemente.

Escolheu ser ela mesma do início ao fim de seu mandado e não desistiu de sua humanidade.

Lidou com a pandemia de uma maneira altamente empática e responsável e dificilmente mencionam a sua firmeza ao optar pela política de tolerância zero no combate às contaminações.

Ela soube sim ser firme e ao contrário do que muitas manchetes insinuam, certamente não foi o seu jeito acolhedor que a empurrou para o burnout– hipótese não confirmada mais divulgada pelos veículos de comunicação.

Ela também mostrou sua consciência quanto à desigualdade de gênero e condição difícil das mulheres na política por diversas vezes e sempre se posicionou sobre isso.

A última vez que ela o fez publicamente foi em seu encontro em novembro passado com a primeira-ministra da Finlândia, Sana Marin, 37 anos.

Nessa ocasião um jornalista perguntou se o motivo do encontro seria a faixa etária das duas políticas e o fato de serem mulheres.

Diante de uma pergunta claramente sexista, Jacinda, com 42 anos na ocasião, respondeu:

Minha primeira pergunta é se alguém já perguntou a Barack Obama e John Key se eles se conheceram porque eram da mesma idade. É claro que temos uma proporção maior de homens na política, é a realidade. Duas mulheres se encontram, não é simplesmente por causa de seu gênero.”

Ao que Marin imediatamente concordou, aparentemente rindo da pergunta ao responder: “Estamos nos reunindo porque somos primeiras-ministras.”

Além de questionarem a capacidade de manutenção do poder por mulheres como Jacinda, a imprensa tem tratado a renúncia como uma desistência, um fracasso pessoal.

Outra narrativa velha e simplista.

O que falta às pessoas por trás desses veículos de comunicação é um ajuste de perspectiva e porque não dizer, de atualização quanto aos movimentos do mundo depois da pandemia.

Afinal, não é mais tempo de morrer pela e na função que se ocupa.

Mais que nunca as pessoas conscientes de suas necessidades existenciais, estão no que fazem e não são o que fazem.

Agora, agradeça à Jacinda, isso parece se estender aos chefes de Estado.

É também importante compreender que o exercício de uma liderança humana exige uma dose enorme de autoconhecimento, autorrespeito e autocompaixão.

Jacinda alcançou o topo da pirâmide e certamente aprendeu muito sobre si e as pessoas em cada degrau que a conduziu para esse lugar.

Ao chegarem nesse lugar de destaque as pessoas com as suas características já sabem muito bem o que faz sentido para elas e geralmente um trabalho significativo tem muito peso em seu rol de valores. Já não se pode dizer o mesmo sobre status…

Certamente o trabalho de chefe de Estado, por razões que só ela saberá dizer, perdeu o significado.

Para mulheres autênticas, permanecer num cargo que não supre mais suas necessidades intrínsecas mais cruciais é uma tortura.

Tomar a decisão de deixar esse cargo pode até ser penoso, mas não mais que continuar nele.

Continuar certamente colocaria em risco outros valores importantes, como autenticidade e isso pode acabar em adoecimento.

Lideranças humanas aprendem muito com sua própria vulnerabilidade e não tem medo de expor suas fraquezas. Isso é liderar pelo exemplo.

A renúncia de Jacinda só reforça a ideia de que nossa força de mulheres, está na nossa capacidade de não negarmos a nossa humanidade, abraçarmos a nossa vulnerabilidade e acolher a dos outros.

Jacinda renunciou o seu cargo, mas jamais renunciaria a ela mesma. Isso é a força da liderança feminina autêntica.

Ela experimentou cada dia dos seus 5 anos e meio de exercício.

Portanto, sua escolha foi muito bem amparada por sua experiência pessoal e pelo o quê as suas emoções e sentimentos lhe disseram sobre o que significaria continuar.

Entre continuar pela metade e sair, ela escolheu sair e ser inteira. Isso é integridade e responsabilidade.

É disso que precisamos. Sermos inteiras em tudo que fazemos.

Por último, é preciso lembrar que toda mulher que desafia o status quo, deixa as pessoas perplexas e furiosas.

Isso só confirma que esse é o caminho certo. Você está disposta?

E à Jacinda, meu muito obrigada.

Ana Laura Freitas

Minha primeira graduação foi em Administração com ênfase em Comércio Exterior. Iniciei minha carreira trabalhando com exportação e um ano depois, eu estava atuando em finanças internacionais, numa grande empresa do cenário nacional.

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