O retrato de uma liderança abusiva personificada no cinema por Cate Blanchett em Tár

Fria, egocêntrica, pedante, arrogante, oportunista e manipuladora. 

Finalmente eu vi o filme Tár com a Cate Blanchett.

O filme é polêmico e poderia suscitar debates importantes como a cultura do cancelamento.

Mas quero abordar as relações de poder, já que a personagem central é a personificação do chefe abusivo.

O filme relata a rotina de trabalho de Lydia Tár, uma musicista “genial” que triunfou e ocupa seu lugar no panteão dos deuses da música erudita e reina absoluta como regente titular da Filarmônica de Berlim. 

Lydia é um EGOT, um acrônimo para músicos que já ganharam Emmy, Grammy, Oscar e Tommy. 

O termo soa como uma ironia, já que ao longo do filme Lydia se revela fria, egocêntrica, pedante, arrogante, oportunista e manipuladora. 

Enfim, totalmente sem caráter.

Ela usa o poder para assediar jovens musicistas e depois descartá-las.

Sabe-se que o mundo da música erudita é essencialmente masculino e Lydia demonstra toda sua indiferença e falta de compaixão com as mulheres ao dizer que nunca teve problemas com o machismo e que “no que diz respeito ao preconceito de gênero, não tenho do que reclamar”. 

Lydia se dá ao luxo de se alienar na sua glória. Ela não quer saber das dificuldades dos outros.

Ela é lésbica assumida, mas demonstra total indiferença à causa LGBTQIA+.

Suas atitudes são típicas da pessoa que acredita que o mundo gira em torno apenas de suas próprias necessidades e feitos.

Manipuladora e encantadora. Um tipo comum

Sabe aquela pessoa que pensa que deu certo para ela, porque ela é demais e  quem não for “genial” como ela que se dane? O mundo deve ser dos fora de série como ela. Não há lugar para quem for diferente disso.

Essa é a Lydia Tár, que convenhamos se tornou um tipo bem comum.

Uma orquestra é o exemplo perfeito para o que deve ser um time de pessoas trabalhando em sincronia para obter resultados.

O regente de uma orquestra pode ser uma boa metáfora de liderança eficaz, que consegue perceber o melhor de cada um sob sua batuta e os fazer se destacar, colocando-os nas posições certas.

Mas Lydia subverte essa possibilidade, já que só se aproxima dos músicos por interesse.

Não considera suas habilidades reais para fazer escolhas e somente seu ego e desejos pessoais servem como parâmetro.

Lydia é tão egocêntrica que durante um almoço com a violoncelista nova da orquestra, ela demonstra não saber do que se  trata o dia 08 de Março.

Quando alguém que ocupa uma posição de tanto destaque se dá ao luxo de não se inteirar sobre os assuntos mais relevantes de seu próprio tempo, é hora de parar para pensar no que a levou para esse lugar e o que ela realmente tem a oferecer.

Lydia é exímia manipuladora e foi capaz de construir uma imagem inautêntica de grande profissional, baseada exclusivamente nos resultados que ela alcançou– e que diga-se de passagem não são pouca coisa.

Manipuladores encantam.

O mundo da música se encantou por ela, foi conivente, ignorou os sinais e  lhe deu palco até que um escândalo tira dela todo o seu brilho.

Ela enfrenta a fúria da internet, se deprime e é lançada para fora do panteão dos deuses da música.

Manter-se fiel aos seus valores é o único caminho

A história de Lydia Tár é uma ficção, mas retrata um tipo de pessoa que o mundo conhece muito bem: as que chegam ao topo unicamente calcadas em resultados, que são endeusadas e mantidas no Olimpo pelas organizações a que servem de tal modo que podemos nos perguntar se elas servem às organizações ou o contrário.

São pessoas de egos inflados, dissimuladas, que tornam-se intimidadoras, autoritárias, sem ética e humanidade.

Lydia é de mentirinha, mas a realidade está cheia de pessoas como ela.

Pessoas que chegam a cargos de liderança sem ter condição alguma de estabelecer relações humanas no sentido mais amplo do termo.

No filme Lydia sofre as consequências de seus atos.

Mas infelizmente sabemos que a realidade pode ser cúmplice de pessoas como ela.

Diante disso, tenho que admitir que para mim, cujos valores de justiça e transparência são tão caros, escrever um artigo como esse parece ser a única válvula de escape.

Mas estou cada vez mais certa de que me manter fiel aos meus valores a despeito de qualquer pessoa ou situação que eu enfrentar, é o único caminho para construir a carreira e a vida que quero para mim.

Gostaria de usar a história de Lydia Tár como uma oportunidade para provocar reflexões com algumas perguntas:

Quem quero ser em minha carreira?

Que marcas quero deixar por onde passar?

A quem quero servir e mais importante ainda, quem quero ter por perto?

A que líderes quero seguir?

A que valores os líderes e instituições com os quais estou envolvida servem?

Se seus comportamentos e valores se opõem aos meus, o que me mantém fiel a eles?

O que é uma pessoa genial para mim?

O que considero uma carreira de sucesso?

 

Desejo uma ótima semana!

Ana Laura Freitas

Minha primeira graduação foi em Administração com ênfase em Comércio Exterior. Iniciei minha carreira trabalhando com exportação e um ano depois, eu estava atuando em finanças internacionais, numa grande empresa do cenário nacional.

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