Preciso falar!
Levei um tempão para escrever esse artigo, por receio de parecer chata.
Mas hoje isso não me incomoda mais, porque me posicionar sobre as coisas que me incomodam se tornou mais importante que qualquer julgamento.
Além disso, o meu compromisso profissional é com a saúde mental das pessoas. Portanto, sempre vou propor reflexões que considero relevantes.
Aqui está o maior ganho que o envelhecimento me trouxe: encontrei sentido na minha vida profissional.
E é sobre envelhecimento que quero falar.
Mas antes, vou contar uns “causos.”
Lutas inglórias
O meu TCC na faculdade de psicologia foi sobre a influência das redes sociais na autoimagem feminina.
Para fazer esse trabalho, eu li uma série de artigos e livros que falam sobre a nossa relação com a beleza e a juventude.
Minha pesquisa me mostrou que somos constantemente bombardeadas com ideias que nos dizem como devemos parecer, o que nos causa muitos danos.
O pior deles é atrelar nosso valor à aparência física, à juventude, à magreza, à estereótipos de gênero e por aí vai.
Foi nessa época que descobri que o conceito de empoderamento feminino mais comumente disseminado nas redes sociais é atrelado à aparência sexy, magra e jovem.
No entanto, o seu real significado tem a ver com a nossa tomada de consciência sobre a importância do nosso papel na sociedade, nossos direitos e pela luta pela igualdade entre os gêneros.
A partir daí, vi que os conceitos que embasam causas importantes podem cair facilmente num lugar que tira totalmente o seu real sentido.
Precisamos nos manter atentas a isso e a tantas outras distrações que acabam por nos manter ocupadas e angustiadas para travar lutas absolutamente inglórias!
E a bola da vez é o envelhecimento.
Vamos pensar um pouquinho a respeito. Vem comigo!
O antietarismo nas redes sociais
Entra década e sai década, estamos constantemente nos ajustando às tendências que aparecem, porque queremos ser aceitas.
Para isso nos sacrificamos para atingir um padrão de beleza e comportamento, que na maioria das vezes não correspondem aos nossos tipos físicos, ao nosso estilo de vida, aos nossos valores e acabam por nos fazer sacrificar a essência que legitima a nossa real identidade.
Observo que nos últimos anos a massificação da aparência feminina, que era muito comum entre as mais jovens, tem alcançado as mulheres mais velhas.
Os artigos e livros que li para fazer o TCC tratavam do impacto que o padrão de beleza e comportamento disseminado pelas redes sociais sobre as adolescentes e mulheres mais jovens.
Embora ainda falte pesquisas robustas e aprofundamento para tratar disso em relação às mulheres acima de 45, percebo que atualmente temos sido fortemente impactadas em nossa autoimagem e comportamento pelas redes.
Reforço que esse fenômeno precisa ser atentamente observado e estudado, especialmente porque o antietarismo, causa mais que justa e necessária, tem sido atrelado a pautas que roubam seu real significado.
Há um tempo observo o movimento antiestarista nas redes sociais e o comportamento de uma série de influencers, brasileiras e estrangeiras, que falam sobre envelhecimento.
Como carrego no meu DNA o incômodo bicho da interrogação, não deixo de fazer uma série de perguntas sobre isso.
O que mais tem me chamado atenção nesse “ativismo” é como a relação do corpo e da juventude ainda é uma forte condição para “envelhecer bem” e “empoderada”.
Há uma frequência avassaladora de posts para encorajar as mulheres mais velhas a se aceitarem, que vêm junto com um monte de “tem quês”, na maioria das vezes muito sutis, como o de se gostar e de se sentir mega-blaster sexy depois dos 50.
Junto a isso temos muito biquini, muita foto de lingerie, muito carão e muita luta para se manter sexy, desejável e comível até altas horas do inverno da vida.
Me pergunto como as mulheres que se encontram vulneráveis em relação a sua autoimagem têm lidado com isso tudo.
Há posts que propõem que “vençamos” a menopausa, discutem sobre o aumento dos seios, dos quadris, da circunferência da cintura, falam de secura vaginal, insônia, de baixa autoestima, falta de libido, fogachos e todas as agruras da menopausa e depois nos “encorajam” a sermos maravilhosas e poderosas.
Fique atenta à linguagem. Há uma diferença enorme entre uma proposta que visa melhorar os incômodos da menopausa e outra que menciona a sua derrota, como se estivéssemos travando uma batalha contra algo que faz parte do ciclo natural de nossas vidas.
Desfiam as conquistas pós 45, 50 como um rosário e esbanjam um ânimo e energia que muitas meninas sequer experimentam na casa dos 30. Quanto a isso tenho dúvidas. Muitas.
Quando é que vamos conseguir relaxar para simplesmente viver em paz?
Toda essa movimentação chega até mim como um turbilhão de mensagens conflitantes, um tsunami de double-binds.
É preciso dizer que grande parte disso acaba na venda de produtos que garantem que você vai ficar mais confiante, mais bonita, mais segura e vai envelhecer e passar pela menopausa numa boa.
E é aqui que estou tentando arrumar um jeito de tocar no ponto crucial desse artigo, de uma maneira mais sutil, mas não sei se vou conseguir. Mas vamos lá!
Examine os efeitos que as redes têm sobre você
Eu percebo esse discurso das redes sociais como reforçadores de um comportamento de insatisfação através de um padrão que nos submete no sentido mais literal da palavra.
Muita gente discorda de mim sobre isso, sendo que algumas pessoas ficam até bravas.
Mas não é preciso criar polêmica, porque é fácil você descobrir o que elas provocam em você.
Basta você observar com atenção as emoções que alguns posts te causam.
Você se sente bem, cheia de tranquilidade ou sente uma insatisfação bruta com seu corpo, com sua idade, suas conquistas, seu estilo de vida depois de vê-los?
Preciso explicar? Acho que não né?
Encare as suas assombrações
Tenho trabalhado em cada dia dos últimos seis anos da minha vida para me tornar uma velha sem neuras, pacificada e profundamente confiante.
Para eu me comprometer com a construção da minha velhice nesses termos, eu tive que desistir de muita coisa que me fez perder tempo, dinheiro e principalmente energia na minha juventude.
Quem escreve esse artigo é uma mulher de 52 anos, que passou 33 anos da vida em dieta, se exercitando de forma extenuante e enlouquecidamente preocupada com a aparência.
Ao chegar aos 47 a ficha caiu e vi que meu futuro como a velha que quero ser estaria em fazer o caminho oposto e me livrar das minhas neuroses!
Hoje tenho certeza de que nenhum produto, nenhuma dieta, nenhuma musa inspiradora tem o poder de nos transformar em mulheres seguras que “sabem envelhecer bem”, expressão que detesto, pois a acho carregada de perversidade.
Você só vai ser capaz de passar pela menopausa e lidar com os conflitos psicológicos e incômodos físicos que ela nos traz com serenidade, se você decidir resolver as questões que tem te assombrado desde a juventude.
Se você tem problemas para abraçar a sua velhice, para ver que é um privilégio ficar velha e receber essa fase da vida como o momento para ser quem sempre quis ser – e isso não inclui ser uma jovenzinha, porque aqui a gente lida com a realidade, somos mulheres maduras de verdade- pense seriamente em rever a maneira como se vê e como vê o envelhecimento, porque eles estão intimamente ligados.
Quais são as suas referências?
É importante que a gente pense nas nossas referências de envelhecimento para além das redes sociais.
Se as pessoas importantes para nós tiveram uma postura negativa diante do envelhecimento ou tiveram que enfrentar muitos problemas de saúde durante esse período, é bem provável que nossa percepção sobre a velhice tenha sido afetada.
Portanto, pense amorosamente sobre suas referências e se pergunte sobre o que você quer trazer de bom delas para sua vida.
Não se sinta culpada ao localizar os aspectos negativos que você não vai querer manter.
Afinal, esse é o momento de você fazer escolhas conscientes e condizentes com a vida que quer ter.
Você acha que envelhecer é “pirante”? Do que você precisa se libertar para abraçar sua velhice?
Estou lendo um livro muito bacana da Dra. Becca Levy, psicóloga e pesquisadora da psicologia do envelhecimento da Universidade de Yale, que se chama Breaking the aging code: How Your Beliefs About Aging Determine How Long and Well You Live, ainda inédito no Brasil. Afinal, aqui a gente vai atrás de informação quente e boa!
Nesse livro, a autora discute uma série de pesquisas que apontam para o fato de que a maneira como percebemos o envelhecimento determina como envelhecemos.
Quer dizer que, se vemos o envelhecimento como um período de trevas em que vamos experimentar o sofrimento e a dor da perda da juventude, teremos uma chance enorme de termos problemas.
O livro nos mostra que as pessoas que têm uma relação positiva com a velhice, têm mais chances de envelhecer de maneira produtiva e significativa.
Essas pessoas chegam a viver muito bem até 7,5 anos a mais do que quem assume uma postura negativa diante do envelhecimento.
Interrogações e reflexões
Será que a postura de rejeição ao envelhecimento e da aparência envelhecida tem a ver com algo que trazemos desde nossa juventude e não foi resolvido?
Será que os temores e tremores diante da menopausa tem a ver com a negação do envelhecimento que tem suas raízes na nossa relação com a nossa autoimagem que foi construída sob o bombardeio de informações que atrelam nosso valor e poder a uma aparência jovem?
Quando você pensa em ter uma velhice leve, qual imagem essa ideia te traz?
Você acha que envelhecer é “pirante” e isso te causa medo? Do que você precisa se libertar para abraçar sua velhice?
Eu poderia escrever mais de duas dúzias de perguntas, mas quero te propor a fazer as suas próprias.
Questione-se quanto a maneira como você vê o envelhecimento.
Mais que isso, questione como o envelhecimento tem sido colocado para você ao longo da vida.
Questione as redes sociais e seus códigos de comportamento.
Olhe atentamente para as referências que você tem sobre envelhecimento, pergunte-se se o que você acredita sobre envelhecer é realmente comprovado pela ciência.
E mais, se é o que você quer para você!
Busque respostas junto a quem tem responsabilidade para responder.
Acredite na sua capacidade de criar uma narrativa significativa para sua vida agora, nesse momento em que mais que nunca você tem o direito de viver plenamente.
Desafie-se a mudar a sua perspectiva em relação a si mesma e ao envelhecimento.
Abrace esse período como um momento para viver seus valores pessoais e experimentar a verdadeira realização!
Abra sua cabeça para se aceitar e se tornar sua própria referência.
Aceite a velhice e viva bem, sem as imposições que tiraram sua paz durante grande parte de sua vida!
Até mais!
Ana Laura Freitas